- Bananais -
Após
ter lido um dos livros escritos pelo artista Érico
Santos - Arte:
emoção
e diálogo, fisguei um dos seus textos que achei de muita
relevância. Um
texto em que o artista fala com muita propriedade, pois sua palavra é
digna de crédito, pelo conceituado artista que é, atuante no mercado de Arte
desde 1974, com estúdios em Porto Alegre e Milão/Itália.
Érico
realizou inúmeras exposições individuais e bem mais de 200 exposições
coletivas no Brasil, México, Estados Unidos, Espanha, França,
Inglaterra e Itália, onde obteve diversos prêmios e comendas.
Começou nas artes como desenhista publicitário, ilustrador e
cartunista. Também formado em Direito, profissão que atuou por
vários anos. Transcrevo
na íntegra, seu artigo:
ARTE
DEMAIS ( por Érico Santos)
Certo
domingo, li num jornal uma matéria de um especialista em decoração
de interiores que versava sobre o que, atualmente, é chique ou em
desuso na arrumação das paredes da casa. Estarreceu-me a afirmação
de que não se deve colocar muitos quadros: numa parede grande,
apenas um é suficiente para dar aquele toque de bom gosto.
Vê-se
assim, como a arte é vista de formas diferentes conforme as diversas
concepções de cada pessoa. No caso, esse decorador, tão imiscuído
na finalidade da sua tarefa – tornar ambientes agradáveis –
deturpou totalmente o propósito das obras de arte, reciclando-as
para apenas quadros. A arte deixa de existir em si para se transmutar
em elemento de um conjunto. Retirou-lhe o espírito para que se
tornasse um corpo num ambiente. Lembrou-me, aliás, aqueles que
compram livros bem encadernados, a metro, para enfeitar a estante
nova.
Estarreceu-me
aquele artigo, não pela ignorância artística daquele profissional,
porque a falta dela é ainda, um privilégio de poucos, mas sobretudo
pela insensibilidade que, aos seres de alma, não se justifica. Sua
afirmativa foi grotesca porque para aquelas pessoas pouco dotadas de
conhecimento artístico e, pior, sensibilidade, é um estímulo a se
desfazerem de seus quadros para esvaziar as paredes. Não seria o
mercado de arte o grande derrotado, mas o espírito. Os bem-dotados
de alma continuarão a comprar obras de arte, porque as veem para o
espírito, e não para as paredes. E se decoração é tornar
ambientes agradáveis, com certeza para essas pessoas, paredes
abarrotadas de quadros só lhes farão bem. Aos demais, recomendo que
troquem a cada ano aquele único quadro, porque decorar só por
decorar cansa, além de ter que se subjugar a modismos.
Os
bons decoradores sabem o quão agradável é entrar numa casa cujos
livros se amontoam nas estantes, por toda a parte, e obras de arte se
acumulam com a desafetação nas paredes. Transmite instantaneamente,
não apenas uma aura de bem-estar, como também um requintado estilo
de vida que só os que sabem viver – e não necessitam provar nada
a ninguém – conhecem.
Para
concluir: não se deve quantificar o uso de uma obra de arte, assim
como não se deve limitar a leitura de livros, a audiência a
concertos, a assistência a peças de teatro, etc. A arte pode servir
como decoração, mas subsidiariamente; assim como há quadros com o
único propósito de decorar e não são vistos como obras de arte
pelo seu usuário. Porém, se o autor da matéria não se referiu a
quadros como obras de arte, retiro tudo o que foi dito. Nesse caso
será que uma bela moldura vazia, solitária, no meio de parede, não
cumpriria sua finalidade?
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Arte: emoção e diálogo / Érico Santos – Porto Alegre: Uniprom 1999. pág 19
Cena urbana / Bric da Redenção - Porto Alegre